20 janeiro 2010

A sala e as luzes continuam demasiadamente brancas, expandidas no reflexo entre si.
No principio, entrava ali desconfiada do meu espaço desregulado, desenquadrado, por convicção de uma diferença herdada, pela diferença de sentimentos dificeis de gerir, um medo qualquer, vontade de encontrar ali uma mão que me refletisse no vazio tremendo, na busca e diferença.
No principio, encarava as faces como paredes pintadas de madeixas e sorrisos estranhos, de conversas soltas e ausentes de incremento e conteúdo. Aquela sala era um palco de conhecimento, mescla de teatro.
Passado um tempo, optava por assistir, distante, ao passar do cortejo, sentada de olhos postos no ocaso que o rio e a leziria me ofereciam, conheci um carreiro de formigas, aprendi a sorrir à senhora do bar, conheci os cantos à casa, refugiada na imagem de outra sala onde esperava poder realmente ser.
Fui selvagem, fui ficando, fui querendo cada vez mais, foi crescendo ali, o tom da normalidade.
Hoje, a meio de uma escada interior, encaro a claridade da sala, gosto das caras que abri por entrarem em mim, gosto da sensação de pertença, e da diferença. Hoje penso em cada dia que passa, que da sala onde me ergui, vejo agora apenas mascaras, tempos de receber e outros de nada e, desta sala demasiadamente branca, pinto a minha vida de palavras, semelhança, os mesmos medos, a mesma coragem, o mesmo sentido que me trouxe aqui.
Da sala necessária, respiro o vazio, o deve e haver por saldar, o egoismo de caminhadas acompanhadas só quando é preciso, as chamadas só quando se precisa, o sentimento oferecido, só quando se aspira poder, vejo a respiração da solidão das capas, tal e qual as minhas. Sinto-me estranha em ambas, mas hoje, acolho-me nas raizes que alastram numa construção conjunta. No despertar acompanhada de presença, das mesmas palavras, dos mesmos sorrisos.
Não sei se sei, sei apenas que entre duas salas, branca e fria e escura e fria por igual, sou anormalmente normal, sou assustadoramente vazia e cheia de vida, sou pequena na multidão enublada, sou a farsa da verdade e o ego da mentira, como em qualquer sala, como a própria vida.


1 comentário:

Miguel disse...

A pedra mais dura, o tecido mais suave, o sábio, o louco, um monte de dúvidas entremeado de certezas, a alvura cândida da manhã, o denso breu do mais escuro dos entardeceres, algures entre o branco e o preto, o certo e o errado, uma panóplia de contradições que se encaixam como um complexo, misterioso mas fascinante puzzle, como qualquer um de nós, como a vida. Ao ler-te, parece que as palavras ganham vida própria usando os nossos corpos apenas por um qualquer capricho difícil de explicar e de entender. Essa inspiração continua a ter o condão de abrir janelas por onde o Sol entra mesmo que lá fora a chuva teime em cair.