30 janeiro 2010


Quando cheguei, erguia-se um fumo estranho da pilha de troncos, pensei de repente na facilidade como a substancia se converte em mera fumaça, baste semear fogo e aguardar o elementar desenrolar das expressões. Basta semear e não tratar, basta não pertencer, despoletar como ponto máximo de esforço, como um filho unico egoista e prepotente que se arroga os brinquedos, pega fogo, e ri do seu direito de estragar tudo.
Ao lado, o sr Alexandre queixava-se de mais uma noite passada no hospital, o Julio assentia escondendo a preocupação calada de não ter palavras e um molhinho de caras estranhas envoltas por fumo, fingia que ouvia. O que chateava mesmo era aquela pilha reduzida de lenha cortada que não devia chegar para todos.
Na frutaria do Simões, perguntara a uma cabeleira falante se não queria antes desatar à chapada para chegar mais cedo ao cesto do pão quente, enquanto o cotovelo me entrava pelo peito adentro, menos que aquelas vozinhas estridentes de fim de semana. 
O senhor não sei quantos, que falava desbocadamente das galinholas anilhadas que tinha abatido a semana passada, como se fosse por isso, motivo de ser maior, mantinha as mãos nos bolsos e o cãozinho aparado, dentro do carro, evitando contagios com o do Julio que dorme dentro de um bidão e só é acarinhado em época de caça produtiva.
Não ando nada bem, não ando mesmo, apetece-me dar eu, uns pares de bofetadas, pensamentos insanos que conheço demasiadamente bem na minha expressão. Sentei-me no balde da máquina, depois do ar orgulhoso do Julio anunciar "Tenham cuidado, esta é a menina dos explosivos, ela é perigosa!..."
Não sou nada, Julio, não sou nada... Sabes lá o que eu dava agora por um colo, por não ser eu a vir aqui, por esta fumaça não me lembrar a verdade, por este amargo de boca que quis tanto não sentir e sei que não vou ser capaz de esquecer... Sou tão diferente de qualquer coisa, e mesmo assim, ficava aqui agora a falar contigo, para não me manter segura e caminhante segundo após segundo.
Dois minutos e as mãos nos bolsos, deram-me volta ao estômago, peguei nos troncos, como eu detesto gente que assiste, que não se julga obrigada, como eu detesto esta moda de "não nasci para isto"
Mais gente, caras mais simples, a maquina de corte  é assustadora e estala, estala na minha mente com  pouco espaço para entender seja o que for. E o Julio continuava a distribuir cartões, "cuidado que a S. é ..." e este senhor é médico e tambem mora na sua aldeia.
O tal medico e eu, com uma dor mutua por qualquer motivo, vindos não sei de onde, parados ali porque sim, porque mais que lenha, a vida é mesmo assim, carregamos, enchemos os carros, e as historias febris de caça e trombones fundiam-se no fumo cada vez mais espesso da pilha que o Julio enfrentava de mãos frias.
Está tanto frio dentro de mim, chegada aqui não sei se o quero, não sei se o fruto me ensina se me liberta, sei apenas que preferia quando chorava e sentia.
Tenho uma força tremenda em mim, que desconheço, estranha, tenho sentimentos que não gosto, páro na estrada para escrever, não saboreio novos amigos, conquistas que valem o que me perfaz, que eu sei disso, desconfio das ofertas de sorrisos que me tocam e não entram, foi-se o medo, foi-se a vulnerabilidade, encostei a cara a uma pedra fria e trouxe-a comigo.
Na minha mente fez-se a magia da vontade, mas a sede não é bem vinda, faz de mim, distanciada do que sou. Pinto-me, como há muito tempo, sou protagonista de montras e imagens, atraem-me as distancias, os abismos, as ruelas e os becos sujos e límpidos de alma, atrai-me a droga de aliada desta farsa toda.
E estes homenzinhos do meio da pátria, que já fizeram a sua parte, que agora compram e esperam que lhes levem a casa, eram alvos para a minha cara feia e cada palavra que lhes ofereci, ao menos, tiro proveito da fama, ao menos consegui que tirassem as mãos dos bolsos e me carregassem o carro, em fila. 

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