15 janeiro 2010



A barbearia do Luis, tem um radio daqueles que se estica a antena e ainda se ouvem "los 40 principales", tem umas farripas coloridas na porta e cheiro a Avon. Tem os conversadores que faltam no largo, sentados numa fila de cadeiras a falarem do que interessa, a azeitona e a mãe do "António" que estava no mercado a contar o que se passou, pareceu-me que o tal não anda por bons caminhos, seja lá isso o que for.
O Luis conhece-me do tempo em que lhe entravamos de calções pela barbearia, que ainda não era dele para comprar pólvora. Sim, em Borba, o estanqueiro sempre foi o barbeiro.
Reparei no calendário de uma menina com mamas, que o resto não deve interessar da "Comercial do Alentejo - Esperamos por si", e ao lado, mesmo ao lado, como não poderia deixar de ser, uma moldura do Luis, encostado ao bmw com ar feliz. Não é que a barbearia dê dinheiro e a pólvora, já teve melhores dias, mas é uma questão de posição. Um homem trabalha a vida inteira para quê?
Entrei com o meu ar imaginário, sentei-me ao lado de um senhor de capote e boné à banda, e deixei o que trazia à porta, lagriminhas e mais umas imagens que a viagem me oferecera. Num instante, falava alentejano e explicava pela milesima vez, que não tenho medo e que este negócio não é só de homens.
Ouvi uma voz no canto, um senhor meio careca que estaria ali por engano,
" Olhe, se fosse minha mulher, não havia de a querer a fazer viagens dessas"
"Então, senhor, estamos bem, que não sou e não tenho marido, sequer"
"Isso é que é uma pena!"
"Deve ser, senhor, se o diz..."
"Oh Luis, não foi a mulher do Casimiro que ia indo pelos ares com um saco de polvora que ele tinha?"
"Qual Casimiro, foi a filha do Manel da ...."
"Vossemecê, não é de cá..."
Não sou de cá, mas é aqui que eu me volto. Enquanto esperava pelo pincelinho no pescoço do cliente, vieram-me à cabeça memórias que me fizeram sorrir.
Lembrei-me das vezes  na pedreira em que  o meu pai, nos avisava para nos escondermos bem longe, que "iam fazer fogo". A minha irmã e eu, corriamos sempre, com o coração aos saltos, escondiamo-nos atrás de um aterro de pedra, esperavamos, esperavamos, não podia nunca ser, tinhamos que ver, e ainda mais escondidas, iamos andando de mão dada, espreitando, aquela explosão de pedras que vinha debaixo do chão, era um acontecimento importante... Mais importante ainda eram as noites de verão, em claro, com os cortes de maçarico, as conversas, o cheiro do gasoleo e do chouriço e, as conversas.
Lembrei-me do Vitor Troncho e do sr. Zé que assim que passou a encarregado, foi a Badajoz comprar uns Ray Ban, só porque sim, tal como o Luis.
Se as memórias me varriam hoje lágrimas de presente, se ausente, prefiro-me aqui, no meio da gente que me viu crescer.
Cá fora, na esplanada do Beco, falamos da vida, da policia, da burrice, como se pólvora  rebentasse comboios, da histeria social em que faltam perguntas e sobejam respostas prontas de quem nunca ainda pôs ali os pés. E o Luis remata "Olhe, haviam era de perguntar aos militares de onde vêm cargas primárias para a ETA", pois é, Luis, mas isso não se pergunta, que não dá jeito, não é?
Segui, não me apetecia voltar, peguei na minha máquina nova, e entretive-me no que restava da luz do dia, a guardar imagens bonitas que já tenho dentro de mim. Parei aqui e ali, não fotografei mosteiros nem torres de igrejas, guardei pedras soltas, guardei esta imagem, entre Borba e Vila Viçosa, tal e qual, as formas com que cresci.

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