29 janeiro 2010

 
Jure Kravanja

A cidade iluminou-se com uma Lua mais cheia que a noite que chegava, as cores crescentes de cinzento e negro esboçavam a claridade dos contornos sorridentes. Caminhei a medo, envolta na convicção de me testar, enquanto me dizia que apenas procuro preenchimento inflacionado agora de mim. Um assim, de retalhos iluminados, de notas soltas, novas, de passos de dança que me lembraram pássaros soltos e folhas de Outono.
Esqueci que se a elevasse, a minha mão não encontrava extensão, que se pousasse a cabeça seria nos joelhos encostados ao meu peito, que lá fora, a vida enrola-se em espirais de evasão. Serpenteei os olhos encantados, revi ali os jogos mais sedutores, deixei-me levar aos poucos pela experiência. Fechei os olhos e pretendi ver com a minha alma, movi-me, toquei, senti contornos, ri-me e dancei à musica que me entrava de forma diferente.
Senti-me unida ao espaço, desde há tanto tempo precisada de albergue e carinho, descobri uma sensação diferente,    imaginei os corpos, vidas, dancei com partes do meu fundo, senti formas, conquistaram-me sentidos, senti-me dona de mim.
Esqueci-me da imagem, deixei-me levar, contei-me uma historia em movimentos que só eu não vi, acordes de musica quente, faces soltas como a minha, expressões salientes, bonitas.
A voz forte oferecia palavras que se conjugavam como lições, os passos soltos, marcados no palco que ensaia a vida feita de espontaneidade. 
A viagem de volta foi um instante, de conversa comigo, sentada à minha beira, companheira. E a Lua? Tão cheia, tão iluminada, e as palavras que guardei desconhecidas de imagem, que trouxe comigo, e a descoberta dos passos que descobri sem ver.
Certa, errada, pequena ou grande, lembrei-me da feira onde jantava sardinhas assadas nas noites quentes, nas madrugadas no Bairro Alto sentada no chão das Primas de copo de vinho branco, do nascer do Sol no Abano, das coisas, do som do tempo, lembrei-me de tudo agora, como há tanto tempo, 
Se é a vida um palco de ilusão, que pinte a minha com as cores mais belas deste mundo, com memórias e esta cegueira induzida de dança e faces desconhecidas.

1 comentário:

Miguel disse...

Fizeste a vida parecer algo de muito bonito, ou foi a ilusão do palco, dos contornos das sombras à luz da lua, das cores, do vinho, das palavras contadoras de histórias que dominas com mestria? Ou talvez seja o medo da vida, de nos entregarmos a 100 por cento a essa dança, que nos impede de apreciar todos os pequenos gostos e sabores que a vida tem para nos oferecer.