14 setembro 2009

"No início não existe a folha em branco, essa chega muito depois.
No início, existe uma linha de sentido mergulhada no interior do caos.
Há o tempo, pessoas que nascem e que morrem, séculos que imaginamos antes e depois de nós, idades que usamos como disfarces, como fatos nos casamentos; há o mundo, todos os seus cenários, esgotos e planícies, adereços à distância dos nossos gestos, muros que condicionam o caminho; e existimos nós, indecisos e incorrectos, com braços e pernas, com pele e feitio, com espírito ou, pelo menos com a possibilidade de espírito, com a ideia.
Depois existem as possibilidades e as dúvidas a lançar estes três elementos - tempo, espaço e sujeito - uns contra os outros....o aleatório faz malabarismo à nossa volta e, de repente, podemos distinguir uma linha de sentido: algo que se relaciona com algo.
Essa peça, por sua vez, poderá relacionar-se com outra, que se relacionará com outra, etc. Salta-se de pedra em pedra ignorando-se o rio....
Continuamos a juntar os pequenos pontos e, aos poucos, distinguimos uma forma. Esse é o início. Só a seguir, consoante a lua e o aparelho nervoso, chega a folha em branco com todas as suas lendas..."
José Luís Peixoto,
Verdades quase verdadeiras, Jornal de Letras.

Sem comentários: