12 setembro 2009

O livro do Chá



"Rikiu adorava citar um velho poema que diz:

 «Aos que anseiam apenas pelas flores, eu mostraria com agrado a primavera desabrochada que subsiste nos botões obstinados dos montes cobertos de neve

Os que, entre nós, desconhecem o segredo de regular adequadamente a sua existência neste mar tumultuoso de problemas tolos a que chamamos vida, estão num estado de tristeza constante, embora tentem em vão parecer felizes e contentados.
Vacilamos ao tentar manter o nosso equilíbrio moral, e vemos prenúncios da tempestade em cada nuvem que paira no horizonte. Contudo, há alegria e beleza na espiral das vagas que se encapelam rumo à eternidade.
Por que não entrar no seu espírito, ou, como Liehtse, cavalgar o próprio furacão?
Quem apenas viveu com o belo, pode morrer em beleza.
Os últimos momentos dos grandes mestres-do-chá foram de um requinte sofisticado tão completo quanto o haviam sido as suas vidas.
Procurando constantemente harmonizar-se com o grande ritmo do universo, estavam sempre preparados para entrar no desconhecido.
O «Ultimo Chá de Ríkiu» evidenciar-se-á para sempre como o auge da grandiosidade trágica.
Quando olham para o caminho do jardim as árvores parecem estremecer, e no restolhar das folhas escutam-se murmúrios de fantasmas desabrigados. Como sentinelas solenes perante os portões do Hades estão as lanternas de pedra cinzenta. Uma onda de incenso raro solta-se da sala-de-chá; é o chamamento que ordena aos convidados que entrem. Um a um avançam e tomam os seus lugares.
A cerimónia termina; os convidados, dificilmente retendo as lágrimas, despedem-se pela última vez e deixam a sala.
A um apenas, o mais próximo e mais querido, é solicitado que fique e testemunhe o fim. Então, Rikiu remove o seu fato-do-chá e dobra-o cuidadosamente sobre a esteira, desvendando assim o imaculado vestido branco de morte que até aqui se ocultara.

Com um sorriso no rosto, Rikiu entrou no desconhecido.


kakuzo okakura
"o livro do chá"


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