Cresci no meio deles, nos campos abertos do Alentejo. Aprendi a admirá-los, fascinava-me o seu olhar majestoso. O meu avô ensinou-me a respeitá-los e entender a essencia selvagem que os torna seres magnificos.
Na minha sede de aprender, determinava-me o meu meio. A realidade, a minha infancia, retirava-me a visão mais certeira.
Desentendia, vivendo.
O cheiro do feno, a imagem negra à sombra de um sobreiro, cresci nas imagens sustentadas pela inocência. O picadeiro era um muro branco e, das touradas, retirava a magnitude de uma tradição inquestionavel.Das palavras sábias da minha familia, fui apreendendo os valores do carinho de um ganader, da sobrevivência da espécie, os sonhos de criança nas vestes ricas e bordadas com que se apresentavam homens valentes e possantes.
Eu gostava dos cabrestos, dos forcados e dos cavalos.
Gostava dos touros nos campos que percorria em pequenina.
A mestria transparecia a nobreza do confronto.
Fui crescendo. Despertando.
Hoje, sentada com o meu amigo ao lado, chocada e ferida, assisti à verdadeira pobreza disfarçada em coragem emergente, contra o sistema.
Estou envergonhada!
"Um touro foi este sábado à tarde abatido ilegalmente na vila medieval de Monsaraz, no Alentejo, no final de uma novilhada popular, cumprindo uma tradição reivindicada pela população local. O golpe fatal foi desferido cerca das 19:55, depois de o touro ter sido laçado e preso ao muro da arena, na antiga praça de armas do castelo de Monsaraz.O abate do touro não foi presenciado pela assistência que enchia o castelo (perto de 2.000 pessoas, segundo a organização), por o animal ter sido coberto com dois panos negros. "
Estou chocada com tanto medo, como se cada vez mais o ser humano calasse a sua verdadeira pequenês.
Estou envergonhada pelo amor que tenho a cada ser vivo. Quem somos nós afinal?
Nas planicies onde me lembro, vivas e serenas, onde cada arvore, conta uma história antiga, onde me sento e ainda agora admiro estas figuras nobres que habitam a minha memória e se confundem hoje com o nojo da nossa própria humilhação. Confronto-me antes no meu próprio olhar, dizendo-me antes pequena.
A tradição tornou-se vergonha!



1 comentário:
é verdade que é uma vergonha tanta insensibilidade !!!
Enviar um comentário