13 setembro 2009

Vergonha

Cresci no meio deles, nos campos abertos do Alentejo. Aprendi a admirá-los, fascinava-me o seu olhar majestoso. O meu avô ensinou-me a respeitá-los e entender a essencia selvagem que os torna seres magnificos.
Na minha sede de aprender, determinava-me o meu meio. A realidade, a minha infancia, retirava-me a visão mais certeira.
Desentendia, vivendo.

O cheiro do feno, a imagem negra à sombra de um sobreiro, cresci nas imagens sustentadas pela inocência. O picadeiro era um muro branco e, das touradas, retirava a magnitude de uma tradição inquestionavel.
Das palavras sábias da minha familia, fui apreendendo os valores do carinho de um ganader, da sobrevivência da espécie, os sonhos de criança nas vestes ricas e bordadas com que se apresentavam homens valentes e possantes.
Eu gostava dos cabrestos, dos forcados e dos cavalos.
Gostava dos touros nos campos que percorria em pequenina.
A mestria transparecia a nobreza do confronto.
Fui crescendo. Despertando.

Hoje, sentada com o meu amigo ao lado, chocada e ferida, assisti à verdadeira pobreza disfarçada em coragem emergente, contra o sistema.
Estou envergonhada!


"Um touro foi este sábado à tarde abatido ilegalmente na vila medieval de Monsaraz, no Alentejo, no final de uma novilhada popular, cumprindo uma tradição reivindicada pela população local. O golpe fatal foi desferido cerca das 19:55, depois de o touro ter sido laçado e preso ao muro da arena, na antiga praça de armas do castelo de Monsaraz.O abate do touro não foi presenciado pela assistência que enchia o castelo (perto de 2.000 pessoas, segundo a organização), por o animal ter sido coberto com dois panos negros. "


Estou chocada com tanto medo, como se cada vez mais o ser humano calasse a sua verdadeira pequenês.


Estou envergonhada pelo amor que tenho a cada ser vivo. Quem somos nós afinal?

Nas planicies onde me lembro, vivas e serenas, onde cada arvore, conta uma história antiga, onde me sento e ainda agora admiro estas figuras nobres que habitam a minha memória e se confundem hoje com o nojo da nossa própria humilhação. Confronto-me antes no meu próprio olhar, dizendo-me antes pequena.

A tradição tornou-se vergonha!

1 comentário:

continuando assim... disse...

é verdade que é uma vergonha tanta insensibilidade !!!